Um passeio pela terra dos memes

Ana Maria Ribeiro de Jesus Por Ana Maria Ribeiro de Jesus
9 Min lectura
O quê, o como e o porquê na investigação e criação de virais

Milhares de usuários da internet investem tempo para editar e divulgar, todos os dias, certas imagens e vídeos. O resultado dessas edições são paródias por vezes amadoras e rudimentares, mas muitas vezes bem-elaboradas, carregadas de humor hiperbólico, ironia e subversão.

 

Essas criações, amplamente conhecidas no mundo digital como memes, externam, cada vez mais, uma forma de expressão a que as massas recorrem para gerar remixagens inusitadas de cultura popular, ideologias e tendências políticas e econômicas globais.

A concepção de “meme” engloba aspectos fundamentais da cultura digital contemporânea: uma cultura participatória, em rede, cujos indivíduos servem-se do compartilhamento para preencher a necessidade de inclusão no grupo.

Por causa da demasia de informações, a era digital passou a exigir compactação –tuítes com 140 caracteres ou stories com 15 segundos são frutos disso– e os memes também atendem, com plenitude, a essa demanda. Assim, se não estou de acordo com a opinião de alguém, em vez responder à pessoa com um texto altamente elaborado que demonstre desaprovação e exponha cada um dos absurdos que julgo ter encontrado, posso simplesmente deixar o célebre meme Side Eyeing Chloe argumentar por mim:

Quando Richard Dawkins inventou o termo meme em 1976, em seu livro O gene egoísta, ele o definiu como “uma unidade de transmissão cultural, ou de imitação”, para diferenciá-lo do conceito de gene. O que Dawkins provavelmente não imaginava era que seu neologismo passaria por um processo de meta-terminologização –migração de um domínio de especialidade para outro– e se tornaria um conceito que traduziria quase todos os traços fundamentais da era digital.

Ao migrar da Biologia para a Internet, o conceito acabou adquirindo características particulares da nova área, como em todo processo de terminologização. Os traços de “imitação e transmissão” propostos por Dawkins somam-se, então, às influências do meio digital, da estrutura midiática e da velocidade com que esses fenômenos ocorrem na internet.

Em seu texto, Dawkins explicou que a raiz do termo está no grego mímeme (um “elemento” de imitação, mímesis), e chegou a cogitar usá-lo dessa forma. Argumentou, entretanto, que preferia “um monossílabo que soasse um pouco como gene”, pediu perdão aos helenistas e abreviou-o: meme. Saussure havia feito algo semelhante ao propor o signo linguístico, para enfatizar a oposição entre seus componentes, mudando as denominações conceito e imagem acústica para significado e significante. Está aí uma dica para criadores de dicotomias.

Os traços de “imitação e transmissão” propostos por Dawkins somam-se, então, às influências do meio digital, da estrutura midiática e da velocidade com que esses fenômenos ocorrem na internet.

Como o compartilhamento é um fenômeno inerente à comunicação digital, a transmissão dos memes na Internet, em comparação aos de Dawkins, é logicamente mais rápida. Um meme postado por um indivíduo em sua rede social pode se espalhar em escala gigantesca questão de horas. Com o uso exponencial dessa nova forma de comunicação em redes sociais, aplicativos de mensagens, blogs e foruns, o fenômeno chamou a atenção de entusiastas e pesquisadores, que começaram a propor delimitações para a definição de meme.

O pesquisador da Universidade de Copenhagen Carlos Castaño Díaz (2013) conceitua-o com base na teoria da comunicação: “uma unidade de informação (ideia, conceito ou crença) que se replica por transmissão via Internet (e-mail, chat, forum, redes sociais etc.) em forma de hiperlink, vídeo, imagem ou frase. Pode ser repassada como cópia exata ou pode mudar e evoluir”.

Por sua vez, em seu livro Memes in Digital Culture (2014), Limor Shifman prefere não retratar um meme como uma simples unidade cultural que se propaga profusamente, mas define-o como (a) um grupo de itens digitais que possuem características comuns de conteúdo, forma e/ou posicionamento; (b) cada um criado com base no anterior; e (c) que são propagados, imitados e/ou transformados via Internet por diversos usuários.

 

A observação do fenômeno dos memes possibilita uma forma inédita e poderosa de se refletir sobre questões como, por exemplo, a criatividade. Para os criadores de memes, quase tudo pode pode servir de inspiração: fatos engraçados, costumes, músicas, gestos de pessoas famosas ou cidadãos comuns, expressões de apresentadores de telejornal, erros de arbitragem esportiva, discursos de políticos.

Por causa da natureza imitativa, a intertextualidade é inerente à criação dos memes. Quando um usuário recebe um meme e o compartilha, ele demonstra ter esse conhecimento de mundo que o induziu a julgar a imagem ou vídeo como engraçado, irônico ou acurado sobre aquele tema. Ou seja, alguns memes podem ser compreendidos (e criados) por praticamente qualquer pessoa, mas outros requerem conhecimento mais aprofundado sobre determinado aspecto da cultura digital.

Para Shifman, vivemos em uma era dirigida pela lógica hipermemética, em que todos os grandes eventos públicos conduzem à criação de uma enxurrada de memes. Apesar de constituírem peças da cultura popular, eles desempenham um papel essencial nos principais eventos do século XXI. E a rápida propagação é inerente ao ambiente digital. Basta olharmos para eventos como o Oscar e, mais recentemente, a Copa do Mundo. Os memes expressam, nesse sentido, aquilo que a audiência digital tem interesse em determinado momento.

 

As fotos meméticas, como denomina Shifman, constituem, geralmente, colagens feitas com Photoshop. Um dos tipos de foto memética é a frozen motion, em que o movimento intenso dos personagens é congelado por meio da fotografia. Nesse tipo de meme, os criadores inserem os personagens em um contexto que julgam mais adequado e que complemente o “movimento inacabado”, como Neymar e Tite jogando capoeira (com a participação de Ronaldinho Gaúcho).

 

No caso dos vídeos, são mais propensos a se tornarem memes aqueles que têm movimentos repetidos e, portanto, são mais apelativos à imitação. Exemplo disso é o vídeo Practicing the Neymar, feito por um clube de futebol juvenil suíço e que viralizou durante a Copa do Mundo de 2018.

 

Além disso, uma imagem ou vídeo podem se tornar memes se apresentarem um problema a ser resolvido por meio de respostas criativas. É como um quebra-cabeça que permite que os usuários intervenham e completem suas incongruências. Foi o que levou o meme Distracted Boyfriend a viralizar no mundo todo.

 

Cada versão de um meme reflete a criatividade e o conhecimento de mundo de seu criador e, ao mesmo tempo, insere esse indivíduo em uma comunidade maior que partilha da mesma história e dos mesmos artefatos culturais. Quem os recebe pode modificá-los e reiniciar o ciclo.

Justamente por isso, os memes desafiam a concepção de direitos autorais, muito cara desde a Modernidade. A ideia de “origem”, porém, é quase incompatível com a sociedade do compartilhamento, que assume como fundamental –e não como indevida– a apropriação de textos, imagens e vídeos, sua modificação e propagação.

 

Referências:

CASTAÑO DIAZ, Carlos Mauricio (2013): “Defining and characterizing the concept of Internet meme”, CES Psicología, Medellín, vol. 6, n. 2, p. 82-104. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2011-30802013000200007&lng=en&nrm=iso
DAWKINS, Richard (1976): The Selfish Gene, Oxford, Oxford University Press.
SHIFMAN, Limor (2014): Memes in Digital Culture, Massachusetts, The MIT Press.

Imagens: http://knowyourmeme.com, http://giphy.com

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Profesora Titular en la Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, Brasil. Doctora en Filología y Lengua Portuguesa por la Universidade de São Paulo (USP).