Por que alguns memes são bem-sucedidos e por que compartilhamos memes?
Os genes estabilizaram-se em um sistema de cópias perfeito: o DNA. Os memes ainda não encontraram um sistema tão requintado, nem vão se estabilizar por um bom tempo.
Ao escrever essas palavras em 1999, Susan Blackmore1 não se referia aos memes com os quais nos deparamos todos os dias no mundo digital, mas ao conceito dawkinsiano de meme: ideias e padrões culturais que se replicam e evoluem. Ela fazia alusão, por exemplo, a festividades nacionais, a crenças, aos preconceitos sociais, à moda, à tradição do happy hour no final do expediente. De fato, parece difícil englobar elementos tão distintos em um único suporte, em um suposto “DNA cultural”.
O suporte estaria muito bem estabelecido, no entanto, se os referidos elementos que se replicam fossem estes:
Esses itens digitais, que possuem características comuns de conteúdo, e que são transformados e compartilhados, estão bem assentados no suporte inegável do ambiente virtual. O DNA para os genes é a internet para os memes.
Os memes da cultura digital da segunda década do século XXI carregam fortemente os traços das unidades de transmissão cultural descritas por Richard Dawkins2 nos anos 70. A memética de Dawkins pressupõe que tudo o que acontece –na política, na arte, na ciência etc.– é imitação seletiva e se propaga de cérebro para cérebro, como parte de um sistema complexo que leva alguns comportamentos a serem imitados e outros não.
Nesse sentido, a partir de um elemento “original”, a imitação –que não se trata de uma cópia exata– libera um segundo replicador, até que, decorridos alguns ciclos, as ideias começam a “ter vida própria”. O sincretismo religioso é um bom exemplo disso.
Os memes do mundo virtual também ganham vida própria, mas tendem a ser muito mais democráticos, porque podem ser criados por qualquer usuário da Internet munido de um aplicativo ou de qualquer editor de imagens, e com acesso a uma rede para compartilhamento. O que será imitado, o elemento “original”, tem caráter multissemiótico: pode ser uma frase ou sequência de frases, uma imagem, um vídeo, um gif ou uma junção desses elementos.
Conhecido como “Sasha Dog”, por exemplo, o meme é um filtro do Instagram desenvolvido pelo italiano Antonio Ruggiero. O filtro, que exibe um cão deitado, viralizou em outubro de 2019 e chamou a atenção por ser realista e altamente interativo: os usuários podem ajustar o tamanho do cão e girar a imagem para posicionar o animal no cenário. É nesse sentido que os memes do mundo digital têm vida própria: as possibilidades de réplica e transmissão são infinitas.
Os memes refletem a cosmovisão da cultura popular sobre o mundo permeado pelas redes virtuais, pela informação rápida, pelo humor efêmero. A efemeridade, a propósito, parece ser inerente à grande maioria dos memes digitais. Um bolo com velas em festas de aniversário é tradição de séculos, alguns dizem ser proveniente de rituais da Grécia antiga, outros dizem que veio de costumes da Alemanha medieval, mas um meme digital criado a partir de um evento esportivo ou de uma gafe política provavelmente irá desaparecer em semanas ou meses.
A ferramenta Google Trends exibe graficamente a frequência com que determinado termo é buscado. Por isso, por meio dela, é possível também diagnosticar o nascimento e a morte (rápida) de um meme. O interesse pelo meme frasal “This Is So Sad Alexa Play Despacito”, por exemplo, teve aumento repentino de 1 a 7 de julho de 2018 seguido pela queda nas semanas seguintes:
Alguns memes, certamente, têm vida mais longa, como o “Rage Guy”, personagem desenhado com traços rudimentares, que aparecia gritando de raiva em situações incômodas. Ele foi postado pela primeira vez em 2008 em um fórum de imagens do site 4chan e foi um dos primeiros memes a viralizar na internet. Posteriormente tornou-se personagem da webserie Rage Comics, junto com as outras “rage faces” criadas para acompanhá-lo: “Troll Face”, que trolla e irrita as pessoas; “Forever Alone”, solitário e triste; “Me Gusta”, que aparece em situações de aprovação; “Poker Face”, que tenta disfarçar a vergonha em situações embaraçosas. Esses “clássicos” não foram esquecidos, entretanto, no final da década seguinte:
Toda cultura é discurso: as ideias, crenças e costumes não nascem do zero, mas dependem de ideias e contextos já estabelecidos. As culturas evoluem, no sentido de que há mudanças (graduais ou não) e novos elementos baseados nos anteriores. A grande diferença que separa a memética das teorias precedentes sobre a evolução da cultura é que ela é uma das únicas a reconhecer de fato um segundo replicador. Ou seja, é a seleção memética que impulsiona a evolução de ideias culturais. Nos memes da internet esse impulso é notável: as unidades selecionadas e replicadas demonstram o interesse da audiência digital em determinado tempo e espaço culturais.
Yuval Noah Harari3 descreve a memética como a multiplicação de ideias culturais de um hospedeiro a outro:
Um número cada vez maior de estudiosos vê as culturas como um tipo de infecção ou parasita mental, sendo os humanos seus hospedeiros involuntários. […] as ideias culturais vivem dentro da mente dos humanos. Elas se multiplicam e se disseminam de um hospedeiro a outro, às vezes enfraquecendo os hospedeiros e até mesmo os matando. Uma ideia cultural –tal como a crença no paraíso cristão nos céus ou no paraíso comunista aqui na Terra– pode forçar um ser humano a dedicar sua vida a espalhá-la, às vezes tendo a morte como preço. O humano morre, mas a ideia se espalha.
Por que alguns memes fazem sucesso: os virais
Harari conclui que culturas bem-sucedidas são aquelas que se sobressaem ao reproduzir memes, independentemente dos custos e benefícios aos hospedeiros humanos.
De modo semelhante, os memes digitais mais bem-sucedidos são aqueles que viralizam. Os memes inserem o indivíduo em uma comunidade maior que partilha da mesma história e dos mesmos artefatos culturais. Quem os recebe pode modificá-los e reiniciar o ciclo. Quanto mais esse ciclo for reiniciado, maior a chance de viralização.
O meme conhecido como “Ninguém”, ou “Absolutamente ninguém”, funciona como um “template dialógico” em que se podem substituir palavras e imagens de forma a gerar variações no diálogo. Este meme é usado para satirizar pessoas que se esforçam para atrair atenção ou fornecem opiniões não solicitadas. O formato ganhou popularidade no Twitter e, de acordo com o Google Trends, a busca pelo termo teve um aumento repentino no segundo semestre de 2019. Esse interesse do público virtual mostra que o meme viralizou.
Assim como na biologia, o termo viral no ambiente digital remete a algo que infecta elementos semelhantes e se espalha de maneira contagiosa, disseminando-se na internet. Como o compartilhamento gera nos usuários da cultura digital uma sensação de pertencimento, a viralização é uma das características mais marcantes dos memes.
Alguns virais nascem e morrem como virais; outros tornam-se meméticos. Para ser considerado um meme, um elemento deve ser replicado e transformado, e não apenas compartilhado exaustivamente. Ou seja, quando um único conteúdo é disseminado, ele não é considerado um meme, mas um viral. Os memes são contexto, eles atuam e significam em conjunto. É difícil imaginar, entretanto, que haja na web algum conteúdo puramente viral: quando uma frase, imagem ou vídeo alcançam grande popularidade, é quase inevitável que algum usuário o altere e passe-o adiante.
Geralmente, o humor é o principal componente dos memes de sucesso. Limor Shifman4 descreve o que chama de “sucesso viral” e “sucesso memético”. Um item terá maior sucesso viral quanto maior for a probabilidade de seu compartilhamento. O sucesso memético, por sua vez, está ligado à probabilidade de se gerarem respostas criativas a determinado item, por meio de edições ou remixagens. As fotos que originaram os memes conhecidos como “Doge”, um cão shiba de olhar desconfiado, e “Smudge the Cat”, um gato sentado diante de um prato de salada, parecem ter cumprido esse requisito, principalmente por causa da expressão que apresentam seus “personagens”.
De acordo com o site Know Your Meme, o meme “Doge”, postado originalmente em 2010, foi um dos que mais viralizaram na última década. “Smudge the Cat” ganhou popularidade em maio de 2018, com queda brusca semanas depois e popularidade retomada em agosto de 2019 até o presente.
Por que as pessoas compartilham memes
Os memes atendem aos três desafios que, na perspectiva de Patrik Charaudeau5, estão presentes na construção de qualquer gênero de informação: visibilidade, inteligibilidade e espetacularização. O desafio de visibilidade pressupõe a atração da atenção do público leitor. Quanto à inteligibilidade, o gênero discursivo deve tornar o conteúdo interessante e acessível. O desafio de espetacularização relaciona-se à forma como o conteúdo suscita interesse e/ou emoção.
Não é novidade que tudo o que é visualmente atraente, de fácil entendimento e espetacularizado prende a atenção do grande público. Por isso as pessoas compartilham memes. Eles guiam os participantes da cultura digital mesmo em épocas eleitorais (tudo tem seu lado negativo).
A concisão, o humor e a sensação de inclusão são outros três motivos que levam as pessoas a compartilharem memes. Shifman detalha cada um deles: a concisão estimula respostas meméticas porque o conteúdo é de fácil imitação: histórias claras e simples espalham-se mais do que as complexas e levam a uma compreensão mais rápida e intuitiva. O humor estimula a imitação e a edição, está associado à brincadeira, ao sarcasmo e à sensação de superioridade. As pessoas querem divertir as outras para serem associadas à esperteza. Isso está diretamente ligado à sensação de inclusão: não se trata de uma mera difusão de conteúdo, mas de uma reapropriação e personalização de temas universais que descrevem situações e anseios particulares dos usuários.
A seleção de memes, como a dos genes, é muito forte. Por mais que nos deparemos com incontáveis memes por dia, esses são os “poucos” que sobreviveram à competição e foram selecionados. Por isso, embora os memes possam parecer elementos triviais e leigos, eles refletem estruturas culturais, sociais e psicológicas significativas.
Referências:
Imagens: https://knowyourmeme.com, https://me.me
- BLACKMORE, S. (1999): The meme machine. Oxford University Press, Londres.
- DAWKINS, R. (2007): O gene egoísta. Tradução de Rejane Rubino. Companhia das Letras, São Paulo.
- HARARI, Y. N. (2018): Sapiens. Uma breve história da humanidade. Tradução de Janaína Marcoantonio. LP&M, São Paulo.
- SHIFMAN, L. (2014): Memes in Digital Culture. The MIT Press, Massachusetts.
- CHARAUDEAU, P. (2010): Discurso das mídias. Contexto, São Paulo.